Antes Paulinha Lins, hoje Clécio Gomes.
Vamos falar de Clécio Gomes de Araújo, 39 anos, natural de Conceição do Coité, precisamente da Fazenda Quixabeira, na região distrito de Salgadália. Ele aceitou a proposta para uma entrevista ao Calila Noticias para explicar tudo sobre essa decisão tomada, já que seus conterrâneos o conheceram ainda muito jovem com a postura homossexual, que com o passar do tempo ganhou corpo com características femininas, mas que de um ano para cá é visto nas ruas da cidade e na igreja que frequenta usando sapato e roupa social, sem os longos cabelos loiros e principalmente os seios que carregava a base de prótese.
Hoje é membro da Igreja Evangélica Tabernáculo de Deus, em Conceição do Coité, onde garante ter encontrado muito apoio da pastora e dos “irmãos”.
Acompanhe a seguir a entrevista que Clécio Gomes, antes conhecido por “Paulinha” concedeu com exclusividade ao CN.
CN – Clécio, inicialmente vamos falar do início de tudo. Como e quando você descobriu que tinha tendência para o homossexualidade?
Paulinha Lins como era conhecida nas baladas o Clécio Gomes.
CN – Vivendo na zona rural convivendo com essa situação narrada, onde parte de sua família não aceitar sua tendência, você deixou a casa dos seus pais ainda cedo, teve oportunidade de estudar?
Clécio quer uma companheira que não leve em consideração seu passado.
CG – Eu bem que queria estudar, mas não tive a oportunidade e
parei na terceira série, pois tinha que trabalhar para ajudar no
sustento da família, éramos onze irmãos, mas rejeitava também o trabalho
pesado, sofredor, eu queria mesmo era estudar (pausa para limpar
lágrimas) eu tinha uma irmã que morava no centro da cidade de Coité, eu
ia para lá, não queria mais voltar pra roça, pois pensava em ter uma
vida melhor da que os meus pais tiveram, até para poder ajudar eles
mesmos, ai fiquei ajudando minha irmã, nascia sobrinhos filhos dela e eu
ficava ajudando no período de resguardo. Depois de tudo que eu fazia
por ela, o marido me botava pra fora de casa, jogava minha roupa no meio
da rua, me humilhava, tudo isso na idade entre 12 e 13 anos. Voltava
pra roça, só que não me acostumava mais, pegava minha roupa e saia
escondido e ia para beira de estrada para pegar carro para voltar pra
cidade, passei a trabalhar em casas de família somente em troca de prato
de comida, pra ter uma dormida (mais choro). Mesmo assim sem as coisas
darem certo como eu queria permanecer na cidade até que tive a
oportunidade dada pelo casal Ana e Usiel, que me apoiou e fiquei seis
anos com essa família prestando serviço de casa e de lanchonete. Sou
muito grato a eles.CN – Seis anos depois você já mais acostumado na cidade, mais envolvido com novas amizades e naturalmente nas baladas. Como era ser homo naquele tempo?
CN – Quando você procurou outros horizontes, já que ao tomar hormônios pensava em expandir e até usar o corpo como forma de ganhar dinheiro?
CG – Recebi um convite daquele travesti (parente) para passar o réveillon de 1999 na casa dele em Salvador, eu estava de férias do meu emprego (ainda com Ana) ao chegar lá encontrei uma travesti na casa de Lena, ai me vestir de mulher, meu cabelo já era grande e fui com ela para a Pituba em Salvador, ai fiquei surpreso, porque o dinheiro que eu ganhava em um mês eu ganhei em uma noite, ai eu disse agora eu não vou mais não, abandonei o emprego e imaginei em ganhar muito dinheiro e fazer a minha vida. Passei a investir mais em meu corpo, já que tudo na vida é assim, quando mais você investe, você ganha né?
CN – Em off você dizia que era um desejo seu seguir a vida de travesti e sonhava em ganhar muito dinheiro, mas o foco não era você?
CG – Sim. Tinha vontade de estar naquela vida, alcancei o meu objetivo, comecei me estabilizar, aluguei casa, fui morar em bairro perigoso, fui assaltado, estuprado, tudo sofrimento, mas achava bom e não pensava em voltar para casa porque achava que dias melhores ainda viria, continuei fazendo minhas economias e primeiro comprei uma casa pra minha mãe, aliás ela tinha uma pequena parte e eu coloquei a parte maior e conseguimos comprar a casa pra ela aqui (Coité). Sempre foi meu foco a família, porque tem muita gente que quando cai nessa vida abandona tudo.
CN – A vida começou a melhorar pra você. Com um poder aquisitivo melhor você também mudou de bairro e percebeu boa evolução?
Clecio confessa que não vê a hora de encontra logo a sua alma gemea
CN – Quem vive nesse mundo naturalmente nunca está livre da droga, você fez uso?
CG – Eu cheguei a usar apenas cocaína, mas não considero ter abusado nem me viciado. Mas bebia em festas, fazia uso de droga até para cumprir o ofício do trabalho com o cliente.
CN – E a violência, você mais que ninguém sabe e é vítima da homofobia, é tão grande como a mídia fala. Porque essa violência?
CG – Passei por muitas situações e vi muitas travestis morrerem, tive revólver na minha cabeça, faca apontada no meu pescoço, foram muitas as vezes que passei pelo vale da morte e também presenciei. Mas eu sempre tive Deus comigo mesmo eu estando no erro. A maioria dos travestis se marginaliza e na prostituição faz uso exagerado de droga, ambiciosas querem assaltar os clientes, combina o valor depois diz que é outro, começam procurar problema, porque sabem que o homem em geral é casado e não quer escândalo, quem procura o travesti, na grande maioria são homens que têm família, então acaba acontecendo a chantagem, ele não vai aceitar ser escandalizado, se foi combinado duzentos reais e ela diz que é mil reais, ai ou ele paga o mil para ela não escandalizar ou pode acontecer algo né? Muitas já morreram por isso. Inclusive eu tinha uma página em um site voltado para o pornô em Salvador, um dos mais procurados da cidade, tinha o nome artístico de Paulinha Lins uma das mais requisitadas no site, e eu via a violência na rua.
CN – Clécio como surgiu essa ideia de jogar tudo pra o alto depois de ter vivido mais da metade de sua vida na homossexualidade?
CG – Força em Jesus. Fui me transformando a cada dia, naquele tempo eu não tinha a consciência que um dia eu ia estar como estou hoje né, as pessoas quando estão numa boa esquecem de Deus, e quando vem se voltar pra Deus é na dificuldade, enfermidade, perda dos bens, mas temos que saber que devemos buscar Deus a todo tempo. Eu tinha convicção de uma coisa: Deus fez o homem e a mulher, eu tinha o desejo, tinha as práticas, e as pessoas me perguntavam se eu pensava em fazer a cirurgia de mudança de sexo, eu dizia não. A gente já aflige tanta coisa de Deus, mesmo convicto que eu tinha o papel de mulher na minha relação, mas nunca pensei em mudar de sexo, até porque seria muita agressão a obra de Deus, sabia do pecado que já vinha cometendo, imagina tirando meu membro.
CN – Devido a esse seu comportamento de mesmo estando em plena perdição como prevê os religiosos, você encontrava tempo para refletir e passar mensagens de otimismo as pessoas de seu convívio?
CG – Os travestis me chamavam de pastora, porque eu falava muito de Deus para eles. Eu aconselhava e ajudava muito as pessoas usado por Deus. Falava em filho, eu amo criança, e dizia que tinha vontade de ter um filho, as pessoas diziam, mas como você vai ter um filho, elas não entendiam que não era como mãe já que era impossível e sim pelo lado de homem que sou, falavam adote, eu dizia: não só se for do meu sangue em uma relação com uma mulher. E um detalhe, na minha fase de travesti cheguei a me relacionar com mulher também. Eu era diferente, homossexual costuma dizer que tem nojo de mulher e eu nunca sentir esse problema, não via uma mulher bonitona minha concorrente.
CN – Então, como você chegou à conclusão que não mais valia a pena prosseguir na vida homossexual?
CG – Fui cansando de tudo. Tudo que você possa imaginar eu vivi de curtição, ai começou a cair a ficha e passei a compreender que tudo aquilo estava me fazendo mal e eu queria uma vida de verdade. Perdi meu irmão para o câncer e eu que sempre fui próximo a minha família, procurei me aproximar ainda mais. Por outro lado não estava agradando a Deus, se ele fez o homem sua imagem e semelhança e eu estava agindo contrário e ele não estava satisfeito.
CN – Você então entendeu que para deixar a vida mundana a opção seria procurar uma igreja evangélica?
CG – Minha irmã me falou de um programa de televisão apresentado por um apóstolo a cerca de 3 anos, fiquei curioso até que assistir e passei a acompanhar, Valdomiro Santiago pela Igreja Mundial ai pela televisão eu repetia todos os gestos e orava, comecei pedi a Deus para mudar minha vida, e passei a seguir e o mais curioso é que tudo passou a dar errado em minha vida, eu até entendi, se eu pedia a Deus para mudar a minha vida então ele passou a mudar me tirando da prostituição, como minha vida boa era aquela, passei ter dificuldades, mas ainda assim ficava em cima do muro, buscava a Deus, mas continuava a sair para baladas, tive um grave acidente na Paralela, e sei que quem me salvou foi o Senhor, pois mesmo no erro eu clamava sempre por ele, Deus me mostrava as coisas e acontecia. Depois que passei a buscar o caminho certo desviei muito, mas quando chegava em casa batia a sensação de arrependimento e passava a chorar e tive vontade me suicidar.
CN – Nessa fase de mudança em sua vida qual foi seu pior momento?
Maior parte do tempo Clécio passa na igreja em oração.
CN – E seu companheiro, não aceitava sua decisão, como foi a sua vinda para Coité, ele te acompanhou?
CN – Então você ficou em definitivo em Coité, aceitou a Jesus e está firme a um ano e não mais se prostituiu?
CG – Para não mentir antes de aceitar me prostituir duas vezes, pois tinha como profissão, pois na minha mente o pensamento, de não aceitar porque tinha deptos a pagar e sabia que só quitaria recebendo dinheiro da prostituição, mas confesso que Deus me queria ao lado dele, pois perdi vontade de conviver com uma pessoa do mesmo sexo depois de 14 anos, e só queria estar na igreja, ai parei completamente de me prostituir e minhas dividias ficaram se acumulando e eu aceitei Jesus e entreguei tudo nas mãos dele.
CN – tudo isso que você narra em relação a igreja você mantinha o aspecto de travesti até antes de aceitar Jesus?
CG – Sim, visitava a igreja com peito, cabelos compridos, salto alto, mas o curioso que os pés começaram a doer, não doía nas baladas, mas na igreja não conseguia ficar calçado, era o espírito santo incomodando. Caía toda vez que recebia oração, e ali eu sabia que era Deus expulsando as coisas ruins que eu carregava nas costas.
CN – Agora que você está praticamente liberto da homossexualidade, como você encara a classe?
CG – Amo a todos, quero ser amigo de todos, poder abraçar e passar a obra da parte de Deus e que ele venha a fazer o que fez em minha vida, para que sejam felizes de verdade, pois a felicidade verdadeira estou vivendo agora e desejo que todos que seguem o caminho que eu segui, possa abandonar e aceitar Jesus para ele fazer a transformação.
CN – Como as pessoas encaram você fora de igreja?
CG – Com desconfiança, muita gente dizia que eu estava deprimido, que não iria conseguir me manter homem, todo tipo de desconfiança, e ainda permanece viu, até pessoas da minha família estão descrentes em minha mudança de vida, mas só o tempo irá mostrar que a decisão não foi só minha, Deus que é poderoso é quem está me dando essa força, sei que sou frágil, mas estou encontrado força no senhor e ele sabe que meu desejo é mudar e fazer valer o que ele fez sua Imagem e semelhança. Estou com muita vontade de encontrar uma pessoa para me casar, mas deixo isso também pela vontade de Deus, pois peço que me dê uma pessoa certa, que entenda meu passado, que seja do evangelho para não prejudicar minha vida espiritual, que possa me dar dois filhos.
CN – E hoje, cabelos cortados, peitos retirados, sapato masculino, roupa social é sua nova rotina?
CG – Sim, preparado para encontrar uma companheira e me casar ainda este ano e quero o Calila registrando tudo e mostrando minha verdadeira felicidade, pois sou feliz hoje. Tudo que vivi foi uma felicidade superficial e aqueles que estão esperando que eu tenha uma recaída que espere, mas vão ver minha vitória, pois que me tirou daquela vida não foi nenhum homem nem mulher, foi Deus, então o que ele faz, ninguém desfaz, porque o que ele fez é pra glorificar o seu nome. E aqui quero agradecer a pastora Conceição e o pastor Everton e o pessoal da igreja pela carinho que têm por mim, o cuidado, a ajuda em oração, as primeiras roupas de homem, as primeiras cuecas que usei foram os crentes que me deram, que eu não tinha condições, isso uma semana depois que tirei tudo em mim que lembrava mulher.
CN – Vamos agora falar da função de homem, responsabilidade que você nunca teve. Você sabe que na pratica o homem precisa manter a mulher, você não estudou e só ganhou dinheiro na prostituição. E agora, o que você vai fazer em termo de trabalho?
CG – O crente costuma dizer que vive pela fé, então hoje eu vivo pela fé, sei que o prover é de Deus, o dono de todas as coisas, do ouro, da prata, e ele vai mostrar algo pra mim, pois sei que ele não me tirou dali para deixar padecer, ele tem o melhor para gente, então eu creio que nisso tudo ele já está trabalhando, até restaurante eu trabalho, tenho noção de cozinha, irei com todo prazer e dedicação, ciente que vou em busca do pão, para levar para alimentar minha esposa e meus dois filhos, Deus vai honrar e não vai querer me envergonhar, então o que vier pra mim vou encarar que foi algo escolhido por Ele.
CN – DST/Aids. Você esteve numa função bastante vulnerável em relação a doenças sexualmente transmissíveis, você assegura que não contraiu nenhuma delas?
Graças a Deus sim, estou bem. Precisei fazer exames antes da retirada dos seios, e foi exigido uma bateria de exames, solicitado por um médico coiteense, inclusive de AIDS e não foi encontrado nada.(Finalizou)
Clecio foi entrevistado por Raimundo Mascarenhas que também o fotografou. Algumas fotos são do seu próprio arquivo.
Fonte: Calila Noticias