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segunda-feira, 17 de junho de 2019

Odebrecht entra com maior pedido de recuperação judicial da história do Brasil

Com falta de recursos para pagar dívidas próximas a R$ 100 bilhões, a Odebrecht S.A. (ODB) protocolou, nesta segunda-feira, um pedido de recuperação judicial na 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo , cujo titular é o juiz João de Oliveira Rodrigues Filho. Segundo fontes próximas à companhia, esta foi a única opção disponível para salvar o grupo baiano depois que a Caixa Econômica Federal começou a executar garantias de dívidas contraídas pela empresa, que ostentou por anos o título de maior empreiteira do país, mas que viu seus negócios ruírem quando a Operação Lava-Jato revelou o esquema de corrupção montado por executivos do grupo.

O conselho de administração do grupo passou o final de semana finalizando o pedido e detalhando a lista de credores. É o maior pedido de recuperação judicial já realizado no país, superando o da Oi, homologado em 2018, que totalizou R$ 64 bilhões. Fontes ligadas à empresa informam que a recuperação será da holding e deve abranger R$ 51 bilhões do total das dívidas da companhia. O processo de recuperação tem o número 105.775.6-77.2019.8.26.0100.

Foram incluídas no pedido de recuperação 21 empresas do grupo, entre elas a Odebrecht s.A, Odebrecht Serviços e Participações, ODB International Corporation, Odebrecht Finance Limited, Odebrecht Energia Investimentos, Odebrecht Partcipações, entre outras. Segundo o comunicado da empresa, não estão incluídas no pedido de recuperação judicial as seguintes empresas: Braskem S.A., Odebrecht Engenharia e Construção S.A., Ocyan S.A., OR S.A., Odebrecht Transport S.A., Enseada Industria Naval S.A., assim como alguns ativos operacionais na América Latina e suas respectivas subsidiárias.

Também estão fora da recuperação judicial da ODB a Atvos Agroindustrial S.A. (que já se encontra em recuperação judicial) e a Odebrecht Corretora de Seguros, Odebrecht Previdência e Fundação Odebrecht.

"Frente ao vencimento de diversas dívidas, da ocorrência de fatos imprevisíveis e dos recentes ataques aos ativos das empresas, a administração da ODB, com autorização do acionista controlador, concluiu que o ajuizamento da recuperação judicial se tornou a medida mais adequada para possibilitar a conclusão com sucesso do processo de reestruturação financeira de forma coordenada, segura, transparente e organizada, permitindo, desta forma, a continuidade das empresas e de sua função social",m escreveu o presidente da empresa, Luciano Guidolin, no comunicado. A odebrecht tem atualmente 48 mil funcionários e auge chegoua ter 180 mil empregados.

Com o pedido, estão suspensas todas as ações e execuções contra a empresa, que terá 60 dias para elaborar um plano de recuperação, a partir da data em que a Justiça aceitar o pedido. O plano de recuperação depende da aprovação dos credores, que terão que votá-lo numa assembleia geral.

No pedido, os advogados explicam que entre os anos de 2008 e 2015, o faturamento do grupo saltou de R$ 40 bilhões para R$ 132 bilhões, acompanhando o otimismo da economia. No auge, em 2103, o conglomerado chegou a ter 193 mil funcionários. Por conta disso, o grupo recorreu a diversas fontes de financiamento, inclusive no exterior, para tocar suas atividades e a dívida total, também entre 2008 e 2015, saltou de R$ 18 bilhões para R$ 110 bilhões.

Mas a crise econômica, a partir de 2014, e os impactos da Lava Jato, trouxeram consequências graves para a empresa, explicam os advogados, incluindo maior dificuldade de acesso a fontes de financiamento e conquista de novos projetos no Brasil e em diversos outros países. Além disso, diz o pedido, o dólar salou para R$ 4,19 em setembro de 2018, um aumento de 93% em relação a 2013 quando grande oparte dos bonds da empresa foi captado.

"O envolvimento de integrantes do Grupo Odebrecht na Lava-Jato trouxe consequências graves, incluindo maior dificuldade de acesso a fontes de financiamento e conquista de novos projetos no Brasil e em diversos outros países. Ainda, uma série de contratos firmados para obras de infraestrutura no exterior foram suspensos ou rescindidos, valores foram bloqueados, pagamentos de valores vultosos devidos foram suspensos, e novas contratações foram temporariamente vedadas em alguns países", justificam os advogados no pedido.

O grupo lembra que fez esforços para reparar os erros de conduta revelados pela Lava-Jato, entre eles acordos de leniência e colaboração de executivos e ex-executivos na investigações. Entre eles, está o acordo de leniência com Ministério Público Federal, Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) e a Procuradoria-Geral da Suíça, em que se comprometeu a pagar R$ 3,8 bilhões em 23 anos, além de sete acordos de leniência com governos de países como Guatemala, República Domicana, Equador, Peru, Panamá, EUA e Suíca.

"Mesmo após a celebração desses acordos, permaneceram as dificuldades enfrentadas pelo grupo na obtenção de novos financiamentos , em especial com as instituições financeiras públicas. As restrições de crédito impostas ao grupo aumentaram o estrangulamento financeiro. A combinação desses fatos adversos chegou ao limite, tornando inviável que as empresas possam dar seguimento às suas atividades sem a reestruturação de suas dívidas. A ausência de proteção judicial tornaria inviável a busca dessa negociação com os credores, o que levaria um resultado pior para todos", justificam os advogados.

Os maiores credores da Odebrecht são o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, além de bancos privados. Também estão nesta lista investidores estrangeiros que compraram bônus da companhia no exterior ao logo de vários anos. Esses papéis somam US$ 3 bilhões, o equivalente a R$ 12 bilhões. Os bônus são garantidos pela construtora (OEC) e terão uma negociação separada. Com os problemas financeiros enfrentados pelo grupo depois que a Operação Lava-Jato desbaratou o esquema de pagamento de propina a políticos para vencer licitações, esses papeis perderam valor. Hoje, segundo analistas de mercado, eles valem 10% de seu valor de face.

Os bancos Itaú Unibanco e Bradesco — mais os três estatais — também têm uma dívida de R$ 12 bilhões com o grupo, mas esse débito está garantido pelas ações da Braskem, controlada pela Odebrecht. Os bancos receberam as ações da petroquímica como garantia ao reestruturarem as dívidas da companhia e injetarem mais R$ 2,5 bilhões na empresa, em 2018.

Uma fonte próxima às negociações explicou que a Caixa, diferente dos demais bancos, não tem como garantia as ações da Braskem. Por isso, o banco público vinha pressionando a Odebrecht a obter também essas garantias, que teriam que ser cedidas pelos outros bancos. A pressão da Caixa aumentou depois que a Atvos, braço sucroalcooleiro do grupo entrou com pedido de recuperação judicial, no final de maio, com dívidas de R$ 12 bilhões. Os bancos vinham tentando um acordo extrajudicial com a Odebrecht, mas acabaram não conseguindo fechar uma proposta.

A expectativa de recuperação judicial da holding cresceu depois que fracassou a venda da Braskem para a holandesa LyondellBasell, em maio passado. Segundo fontes, os holandeses desistiram com a piora da situação financeira da Odebrecht. O pedido da Atvos para entrar em recuperação judicial foi um sinal de que outras empresas do grupo poderiam ir pelo mesmo caminho.

O processo de reestruturação das dívidas foi conduzido pela RK Partners, de Ricardo Knoepfelmacher, e pelo escritório E. Munhoz Advogados, de Eduardo Munhoz.

A derrocada da Odebrecht começou a se desenhar há quatro anos, em 19 de junho de 2015, quando policiais federais prenderam o então presidente do grupo em sua mansão no Morumbi, bairro nobre da Zona Sul de São Paulo, como parte da 14ª fase da Operação Lava-Jato. No início, Marcelo Odebrecht se mostrou relutante em contribuir com as investigações e chegou a criticar a postura dos delatores três meses depois, ao prestar depoimento na CPI da Petrobras.

No fim de 2016, no entanto, a divulgação de que 78 executivos da empresa haviam assinado acordos de delação premiada agitou o mundo político. Com o tempo, seria revelado que os delatores citaram 415 políticos de 26 partidos diferentes. A empresa reconheceu os crimes de corrupção em outros 11 países, por meio do acordo com os Estados Unidos. Foi por meio do acordo que Marcelo conseguiu negociar a saída da cadeia: em dezembro de 2017, ele deixou o presídio e passou a cumprir o restante da pena em sua casa.
Fonte: O Globo