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domingo, 19 de outubro de 2014

O chikungunya, primo da dengue, deveria assustar mais que o ebola


(Foto: Rafael Araujo/ÉPOCA)
É uma questão de tempo. Mais cedo ou mais tarde, alguma pessoa infectada com o vírus ebola chegará ao Brasil. Toda a preocupação em torno do assunto é mais que justificável. É necessária. Trata-se de uma terrível ameaça invisível, altamente infectante e capaz de matar um em cada dois doentes.

A população quer saber se o país está preparado para lidar com mais essa crise. O plano traçado pelo Ministério da Saúde para evitar que o vírus se espalhe será bem executado quando o primeiro caso se confirmar? As unidades de saúde darão conta do recado? Haverá informação adequada nos portos e aeroportos? O cerco e monitoramento das pessoas que tiverem contato com o primeiro doente vão funcionar?

Só teremos resposta quando o ebola chegar. Por enquanto, vivemos num clima de ensaio geral. A correta condução do primeiro caso suspeito, o do imigrante Souleymane Bah, que procurou uma unidade de pronto atendimento de Cascavel, foi um bom sinal.

Ninguém é capaz de prever se o êxito demonstrado naquele caso irá se repetir sempre. É provável que não. Ainda assim, a maioria dos especialistas acredita que o Brasil será capaz de evitar que o vírus se propague. Acham que a estrutura para identificar e isolar os primeiros doentes e monitorar as pessoas que eventualmente tiveram contato com eles será eficaz.

É possível que alguns brasileiros adquiram o vírus. Provavelmente serão os bravos profissionais de saúde escalados para cuidar dos doentes. Como ocorreu nos Estados Unidos e na Espanha, os enfermeiros e médicos correm alto risco de contrair a doença no momento em que retiram as várias camadas de roupas e outros materiais de proteção.

O ebola só é transmitido por contato direto com fluidos corporais do doente – sangue, saliva, suor, lágrima, urina, fezes, sêmen. Não se pega a doença pelo ar. Por tudo isso, os infectologistas afirmam que não há razão para pânico. Acreditam que a probabilidade de ocorrer um surto da doença no Brasil é baixíssima.

Enquanto todas as atenções estão voltadas para o ebola, uma ameaça capaz de estragar a vida de um número muito maior de brasileiros já chegou ao nosso quintal. “A população deveria estar mais preocupada com a dengue que com o ebola”, diz o médico Érico Arruda, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Nos últimos cinco anos, 3,2 milhões de casos de dengue foram registrados no Brasil. A forma hemorrágica matou 800 pessoas. A doença mata muito menos que o ebola, mas os mosquitos que a transmitem estão por todo canto – até no nosso quintal.

Como se não bastasse a dengue, chegou ao Brasil o primo dela: o Chikungunya. Esse vírus, transmitido pelo mesmo mosquito da dengue, provoca febre alta, dores articulares terríveis e até invalidez.

Ele está se alastrando rapidamente pelo país, depois de chegar à América Central no final de 2013. No trimestre seguinte, pessoas que se infectaram na região do Caribe trouxeram o vírus para o Brasil. Mosquitos da dengue picaram esses viajantes e passaram a transmitir a doença no país. Resultado?

Menos de um mês depois da ocorrência do primeiro caso de transmissão de Chikungunya em território nacional, o Ministério da Saúde já registrou 337 casos. Quinze estados já foram afetados. A Bahia, com 281 registros, tem o maior número de infecções. Com 274 casos confirmados, a cidade baiana de Feira de Santana já vive uma epidemia.

A origem do estranho nome Chikungunya é africana. No idioma makonde, significa “aqueles que se dobram”. É uma referência à postura dos doentes. Com dores articulares fortíssimas, os infectados andam curvados.

Essas dores podem persistir por longos meses. Em alguns casos, elas se tornam crônicas. Em outros, o enrijecimento das articulações é tão intenso que a pessoa deixa de andar.
Logo abaixo, um guia para se proteger do Chikungunya. Com o verão chegando e tanto mosquito por aí, essa sim é uma ameaça real. Informe-se sobre o ebola, mas se preocupe com a dengue e seu primo.

Como o vírus é transmitido?
Pela picada da fêmea de mosquitos infectados. Pode ser do tipo Aedes aegypti, o popular mosquito da dengue ou o Aedes albopictus. Esse segundo tipo é mais comum nas áreas rurais. As larvas são encontradas em bambus, buracos em árvores e cascas de frutas.

Quais os principais sinais e sintomas?
Febre acima de 39 graus, dores intensas nos dedos, pulsos e tornozelos. Pode ocorrer, também, dor de cabeça, dores nos músculos e manchas vermelhas na pele. Cerca de 30% dos casos não chegam a desenvolver sintomas.

Como se identifica um caso suspeito?
Deve-se suspeitar da doença quando a pessoa tem febre acima de 38,5°, dores articulares ou artrite intensa for moradora ou tiver viajado para regiões nas quais os vírus circula.

Após a picada do mosquito, em quantos dias ocorre o início dos sintomas?
De dois a dez dias, podendo chegar a 12 dias.

Se a pessoa for picada neste período, infectará o mosquito?
Isso pode ocorrer um dia antes do aparecimento da febre até o quinto dia de doença,
quando a pessoa ainda tem o vírus na corrente sanguínea.

Dor nas articulações também não ocorre nos casos de dengue?
Sim, mas na dengue ela é menos intensa. Entre 70% e 100% dos infectados pelos Chikungunya sentem dores terríveis nos pés e nas mãos.

Se uma pessoa for picada por um mosquito infectado necessariamente ficará doente?
Não. Em média, 30% dos infectados não apresentam sintomas.

Existe tratamento?
Assim como a dengue, não existe nenhum tratamento específico para Chikungunya. O que se faz é tentar aliviar os sintomas – com remédios para baixar a febre e antiinflamatórios para as dores articulares. Não se deve usar ácidoacetilsalicílico (AAS) devido ao risco de hemorragia. O doente deve beber muito líquido e fazer repouso absoluto.

É necessário isolar o paciente?
Não.

É preciso internar o doente?
Apenas nos casos mais graves.

Em quanto tempo o paciente se recupera?
Em geral, em dez dias após o início dos sintomas. Em alguns casos, as dores podem persistir durante meses ou anos.

A doença pode matar?
As mortes são raras.

Existe vacina?
Não.

Quem se infecta com o vírus fica imune?
Sim. Fica imune pelo resto da vida.

Uma pessoa doente pode infectar outra saudável?

Não existe transmissão entre pessoas. A única forma de infecção é pela picada dos mosquitos.

A mãe grávida transmite o vírus para o bebê?

Não há evidências de que isso ocorra. Também não se transmite a doença pelo leite materno.

O que fazer para evitar a disseminação do vírus?
Evitar os criadouros de mosquitos. Colocar areia nos pratos dos vasos de planta, eliminar, pneus velhos e recipientes abandonados, inspecionar piscinas em casas vazias, verificar se as calhas não estão entupidas, acabar com entulho e qualquer outra coisa que favoreça a deposição de larvas dos mosquitos. O fim dos criadouros interrompe a transmissão da dengue e da doença provocada pelo Chikungunya.

Por CRISTIANE SEGATTO
Fonte: Época

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